Enquanto Julie despertava aos poucos, fiquei com vontade de gritar,
pular, abraçá-la, tudo. Mas, por algum motivo, continuei segurando
firmemente sua mão. Era como um pressentimento de que eu não
deveria parar de cantar. E quando ela cantou o final da estrofe
comigo, não consegui me conter. Parei de cantar, chorando sem parar.
Ela acordou. Ela acordou e eu que estou ao seu lado.
- Por
favor, Li – chamou ela, a voz um tanto rouca. – Para de chorar.
- Não
dá – sussurrei meio soluços.
- Amor,
por favor – pediu ela uma última vez, se esticando até me
abraçar. – Eu to aqui, como você disse todos esses dias. Eu te
ouvi. E agora eu to aqui de verdade.
- Você
me ouvia – solucei. – Eu sabia que você me ouvia.
- Claro
que eu ouvia – contou ela. – Você foi o único que conversou
comigo esses dias. E quando você começou a cantar, não sei. Senti
todo o sangue ferver e, não ria de mim, mas senti uma força
sobrenatural me puxando, me guiando até o som de sua voz não ser
tão distante como eu escutava. E então, bem, eu acordei –
concluiu, rindo. Ouvir aquilo me fez sorrir, aquele sorriso de
criança que ganha doce, e então, finalmente, me esquivei de seus
braços rodeando em meu pescoço para poder abraçá-la de verdade.
Sentindo seu aroma, que agora era diferente, parecia real.
- Tive
tanto medo de te perder – sussurrei, mais por delicadeza do que
por não conseguir falar.
- Tive
medo de não acordar mais – sussurrou ela de volta. – De não
poder ver seu rosto novamente, te abraçar, beijar, sentir seu
calor.
- Tenho
que avisar seus pais, o pessoal – disse, soltando-a por um
instante. – Eles não vão acreditar.
- Não
– pediu ela. – Liga depois. Pode até ser egoísmo, mas, eu
realmente quero ficar um tempo só com você.
- Certo
– concordei, olhando atentamente seus olhos. Eles brilhavam. Seus
lindos olhos cinzentos brilhavam e eu estava feliz por vê-los
novamente assim. – Sabe, o médico disse que você vai precisar de
muito repouso depois que sair daqui, então eu pensei: que tal uma
praia? Só nós dois. Dizem que o mar relaxa as pessoas e, bem,
ainda tenho cerca de três meses de férias.
- Só
nós dois? – perguntou ela, fazendo uma careta. Ameacei abrir a
boca, com medo de ela não ter gostado, quando ela sorriu. –
Parece ótimo pra mim.
E assim se seguiu. Saí da poltrona apenas para deitar-me ao seu lado
na cama. Ficamos ali, abraçados, conversando. Eu sentia sua falta,
assim como ela sentiu a minha. Instantes depois ela pegou no sono.
Parece que ficar em coma não significa descansar. Enfim. Assim que
ela dormiu, sai lentamente de seu lado, caminhando até o corredor.
Decidi ligar para Andy e avisá-lo das boas novas.
- O
que aconteceu? – atendeu ele logo no primeiro toque. Acho que por
eu estar com Julie esta noite, ele imaginou que tinha acontecido
algo com ela. – Aconteceu alguma coisa com a Ju? – bingo!
- Aconteceu
– disse, tentando fazer drama. – Aconteceu que... Andy, como
posso te dizer isso?
- Ah,
cara, não! – choramingou ele. – De novo não.
- Sim,
de novo – disse, e então me apressei. – Ela acordou, cara.
Acordou!
- Seu
filho de uma puta! Eu vou te matar seu desgraçado. Eu achando que
tinha acontecido algo.
- E
aconteceu, caramba – retruquei, rindo. – Ela acordou. Eu cantei
pra ela e ela acordou.
- Vocês
são mesmo o casal mais romântico. Como ela acordou só de ouvir
você cantar? Você é um tremendo filho da puta mesmo! – xingou
ele, rindo. – Cadê ela? Deixa eu falar com ela.
- Ela
dormiu – disse. – Mas dessa vez, só dormiu – disse. Estava
indeciso se dizia isso para ele ou pra mim mesmo.
- Me
liga assim que ela acordar de novo – disse ele, e então riu. –
Certo... – concluiu, parando de rir. – Não importa a hora que
seja, me liga.
Dado o recado para Andy, liguei para Zayn. Estava com uma vontade
gigante de falar com um dos meninos.
- Sabia
que são quase três e meia da manhã? – resmungou Zayn ao
atender. Sua voz estava sonolenta.
- E
você estava dormindo uma hora dessas? – zombei
- As
pessoas normais dormem esse horário.
- Mais
um motivo para você estar acordado – retruquei, começando a rir.
- Me
convenceu – disse ele, dando uma leve risada devido ao sono. – O
que manda?
- Julie
acordou.
- Ela
o quê? – berrou ele, afastando qualquer sono ou preguiça
insistente, além de acordar o resto do hotel. – Você tá tirando
uma com a minha cara, não tá? Eu sei que tá.
- Não,
não to – respondi, rindo.
- Cadê
ela? Deixa eu falar com ela!
- Ela
dormiu. Tava exausta – respondi. – Por isso to ligando agora.
- Então
liga assim que ela acordar. Vamos todos correr praí!
- Pode
deixar – ri.
Dados os recados, voltei para o quarto. Já tinha ganhado olhares
feios de todas as enfermeiras que passavam pelo corredor. Uma até me
mandou calar a boca! Quando voltei, sentei-me na poltrona, observando
o quarto. Estava tão feliz em saber que, agora que ela acordara, ia
voltar a viver. Quer dizer, ia voltar a ser minha Julie, sem precisar
ficar mais seis anos enfurnada num quarto de hospital esperando uma
doação de médula que fosse compatível.
Depois de olhar ao redor do quarto cerca de três vezes, meus olhos
pousaram em um tipo de criado mudo que, vejam só, ficava ao lado da
poltrona o tempo todo. Ali em cima estava o livro “A Culpa é das
Estrelas”. Seu marcador – sim, aquele que ela atirou em mim dois
dias depois de eu chegar em Glasgow – estava muito bem colocado
entre as páginas 194 e 195. E então algo me chamou atenção. Era
um trecho inteiro do livro marcado de caneta marca texto rosa. Em uma
parte do trecho, onde ficava um nome, deduzi, estava borrado de
corretivo e, escrito de caneta preta, meu nome no lugar.
“ - Eu vou lutar contra o câncer. Vou lutar contra o câncer por
você. Não se preocupe comigo, Liam James. Estou bem. Vou achar um
jeito de continuar por aqui e encher o seu saco por um bom tempo.”
Foi aí que fechei os olhos e deixei as lágrimas me consumirem. Eu
não tinha a mínima noção de como Julie se sentia em relação à
sua doença. Para ser franco, nunca tivemos uma conversa sobre isso.
Eu só sabia como eu me sentia. Sabia que eu me sentia mal por vê-la
nesse quarto, sempre deitada na cama. E agora eu sabia que havia sido
um egoísta todo esse tempo. Me preocupava somente comigo enquanto
dizia amá-la. Aliás, achava que a amava tanto ao ponto de nunca
perguntar um “o que você pensa de tudo isso?”.
Também não tinha noção de como eu chorava alto. Sentia meus
ombros tremerem, minha camisa ficando um pouco úmida e meu rosto
completamente molhado. Mas não tinha a dimensão de sua altura.
Parecia algo particular, algo só meu. Mas percebi que afetava os
outros quando senti uma mão delicada em meus ombros. Olhei para
cima, procurando o rosto de Julie. Não sei se eram meus olhos,
inchados e encharcados demais, mas não era Julie.
- Você
está bem? – perguntou uma moça com vestido branco. Uma
enfermeira, pensei. Ela me olhava com ternura e notei que era jovem.
Devia ter minha idade, talvez.
- Estou
– apressei-me em responder, limpando as lágrimas. Meu olhos, bem
como o resto de meu rosto, deviam estar vermelhos. Mas eu consegui
parar de chorar, e até de soluçar. – Eu só...
- Não
precisa se explicar – respondeu ela. – Eu estava passando pelo
corredor e ouvi. Deve ter acontecido algo realmente triste. Mas, se
quer um conselho, tudo é preciso que aconteça, porque só assim
conseguimos dar valor ao que não havíamos percebido antes –
disse ela, e então riu. – Sei que não é um dos melhores
conselhos, mas faz sentido.
- Faz
– respondi, tentando sorrir. Tudo o que saiu foi um canto de boca
levantado, um singelo esboço de sorriso. – Obrigado.
- Não
há de que – respondeu ela, sorrindo e caminhando em direção à
porta. Antes de sair, lançou-me um último sorriso e acrescentou. –
Espero que fique bem.
Demorei para dormir depois do ocorrido. Mas, quando o sono veio
enfim, dormi pesadamente, sem nenhum sonho. Acordei por volta das
seis e meia da manhã, pelo que vi em meu relógio, com Julie se
remexendo na cama. Isso era um ótimo sinal. Significava que não
havia entrado em coma novamente.
Perdi o sono ao pensar nisso. De novo. Me levantei e fui até a
lanchonete, a fim de pegar um copo de cappuccino para mim. Depois de
fazer meu pedido, sentei em uma mesa qualquer, tomando aos poucos a
bebida.
- Posso
me sentar? – perguntou uma voz conhecida. Levantei os olhos. Era a
enfermeira de algumas horas atrás. Assenti com a cabeça e ela se
sentou na cadeira à minha frente. – Como se sente? Está melhor?
- Estou
melhor, sim – respondi, sorrindo. – Obrigado pelo conselho.
- Parece
que não dormiu direito, acertei?
- Só
por umas duas horas, acho – respondi, dando de ombros. – Estou
preocupado.
- É
normal – respondeu ela, sorrindo de volta. – Você não foi o
primeiro rapaz que chora num quarto de hospital esperando uma
resposta ou algo assim. E com certeza não é o último.
- Você
trabalha aqui? – perguntei, ignorando seu comentário.
- Na
verdade, não – respondeu ela, remexendo no copo em suas mãos
que, até então, eu não havia reparado. – Meu marido está
internado aqui há um ano e meio. Eu fico aqui todos os dias e,
quando preciso tomar um ar, saio andando pelos corredores. Foi assim
que escutei você.
- Seu
marido? É casada há quanto tempo? – perguntei, assustado. Se ela
não tivesse minha idade, havia feito plástica para parecer mais
nova!
- Sou
casada há quatro anos. Mas estamos juntos há sete – respondeu
ela, começando a rir. De minha expressão, creio eu. – Acha que
sou nova para estar casada a tanto tempo, não é?
- Não
quero ser inconveniente, mas, bem, sim. Acho – ela riu novamente.
- Eu
sou nova, de certa forma. Tenho apenas vinte e um. Mas o amor não
tem idade, sabia?
- Já
ouvi isso – balbuciei. Claro que eu já ouvira! Eu comecei a
namorar com Julie com treze anos! Eu mesmo falara isso para os
outros quando diziam “vocês são muito novos para namorar”.
- Eu
sei que já ouviu. E que também já falou. Sei que começou a
namorar cedo – olhos arregalados novamente.
- Como
sabe? – mais uma risada.
- Eu
conheço a Julie, Liam. Então, bem, eu conheço você. Ela se
mostrou uma grande amiga desde que estou por aqui. Na verdade, a
única amiga, além da mãe dela, claro.
- Eu
acho que nunca ouvi Julie falar de você – disse. Me sentia uma
criança indefesa. Eu sequer sabia seu nome!
- Ah,
que indelicadeza a minha. Sou Anna – disse ela, quase como se
lesse meus pensamentos. Mas, ao ouvir seu nome, lembrei-me que, sim,
eu já ouvira falar dela. Eu já a vira sair do quarto de Julie
várias vezes, na verdade. Ela sempre saia quando eu entrava, de
modo que eu nunca havia visto seu rosto. Julie sempre me falava
sobre a Anna e seu marido, John, que também tinha leucemia.
- Seu
marido, John – disse, fazendo Anna levantar o olhar. – Tem
leucemia também, não é?
- Sim
– respondeu ela. – Descobrimos há dois anos, quando fomos fazer
exames para saber se estávamos bem para termos um filho.
- Ainda
não acharam doador de medula? – perguntei, baixinho. Quase num
sussurro.
- Que
seja compatível só um, mas ainda não colocaram. Hoje sai o
resultado dos testes.
- Que
ótimo! – disse, feliz. – Se der positivo, a medula vai ser
colocada hoje, também?
- É o
que espero – disse ela, sorrindo.
- Bom,
me avise, ok? Julie também ficará contente de saber.
- Combinado
– respondeu ela.
Terminamos nossas bebidas e voltamos cada um para seu respectivo
quarto e seu respectivo “paciente”. Julie já estava acordada,
sentada na cama com uma multidão em volta dela. (Lê-se os meninos
com suas namoradas, Andy com Daisi, sua namorada, e seus pais).
Fiquei encostado na parede ao lado da porta, sorrindo, com os braços
cruzados. Ninguém notara minha presença. E por que notariam? O
motivo era Julie. A felicidade era ela. Pelos menos a minha
felicidade era.
Em poucos segundos, os olhos de Julie pousaram em mim, e seu sorriso
se alargou. Mas estavam todos querendo conversar com ela, de modo que
ela não conseguiria ficar prestando muita atenção em mim no
momento. Não me importei, afinal, mais tarde ela seria só minha.
Todos estava ali por quase três horas. Já tinham me notado, mas
estavam ocupados demais mimando minha namorada. Ah, como é bom falar
isso. Minha namorada. A língua até explode para falar.
- Liam!
– chamou uma voz feminina vinda da porta. Todos pararam o que
estava fazendo e falando para olhar. Era Anna. Ela pareceu não se
importar com qualquer um, apenas adentrou o quarto e me abraçou
apertado. – Obrigada!
- Pelo
o quê? – perguntei, assustado. Ela estava falando da conversa
mais cedo? Eu não tinha dito nada demais, oras!
- Você
salvou John. Muito obrigada mesmo. Você não sabe o quanto sou
grata – dizia ela, com a voz chorosa, ainda me apertando em seus
braços.
- Eu
salvei John? Como?
- Sua
medula, Liam. Ela é compatível com a de John. Você salvou meu
marido – parecia que ela ia desabar com as lágrimas. E eu estava
apenas pasmo, sem acreditar, retribuindo seu abraço. Quando ela
enfim me soltou notei seus olhos vermelhos e seu sorriso
contagiante. – É por isso que Deus te colocou no caminho dessa
menina maravilhosa. Porque você é maravilhoso também. Sou
eternamente agradecida a você.
Ela sorriu para todos, meio constrangida. Mandou um beijo para Julie,
que tinha o mesmo sorriso nos lábios e os olhos encharcados pelas
lágrimas que a atingiram devido ao ocorrido. Mas na minha cabeça
soava apenas uma coisa: eu salvei uma vida.
Jiam ♥
Girls, me perdoem por não ter falado muito no último capítulo. É que eu tava terminando de postar e meu boy chegou e, bem, íamos sair pra comemorar dois anos juntos :3
Aí não consegui escrever direito D:
A Lêh Almeida tinha me perguntado se eu sou evangélica, porque parece (pelo tanto que falo de fé e tal asuhhusahu'). Sou, sim, flor. Mas acima de tudo eu realmente acredito nEle e tenho muita fé, por isso sahuuhsa'
Fiquei um pouco tristinha por só terem 11 comentários no último capítulo então eu, realmente, to esperando uns 15 nesse. Será que eu ganho? Sei que o capítulo não tá mil maravilhas, but ok...
P.S.: Só eu que amei o Liam cantando pra Julie? Tipo, sei que fui eu que escrevi, mas eu chorei escrevendo! Modéstia à parte, achei muito perfeito :3
Bom, é isso. Beijinhos minhas perfeitas ♥
(Sempre quis ser a Katy, mas hoje eu quis muito mais ♥)